quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Corrupção na política brasileira...

Bom saber...
O que fazer...
CLAUDIO WEBER ABRAMO
EM ENTREVISTA que concedeu a Folha de São Paulo(3/2) após ter sido eleito presidente da Câmara, o deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP) disse aos repórteres Fernando Rodrigues e Valdo Cruz o seguinte: "Mas chega num limite em que não há quem possa controlar, vamos falar claro, porque corrupção tem no mundo inteiro. É algo feito nas sombras, na escuridão. É uma tratativa pessoal.
Muitas coisas só são descobertas por acidente. É muito difícil você controlar. Não sei como fazer, gostaria de saber. Se vocês tiverem idéias, eu serei todo ouvidos".
Acedendo ao convite do deputado, aí vão algumas sugestões sobre o que o presidente da Câmara pode fazer para combater a corrupção. Não se abordarão o controle interno e a divulgação de dados sobre como deputados gastam a montanha de dinheiro que recebem, de resto cobertos na entrevista em questão.
A primeira providência é afastar-se da visão pessoalizada e moralizante do problema, como se a corrupção começasse e terminasse nas relações entre indivíduos. Em vez de perguntar-se "como evitar que duas pessoas entrem em conluio", algo que não leva a lugar nenhum, o que se deve indagar é: "Quais são as circunstâncias que permitem a pessoas que detêm poder tomar decisões em troca do recebimento de propinas?".
O que interessa para compreender a corrupção e melhor combatê-la é a identificação das condições objetivas que permitem às pessoas desonestas agir de forma desonesta. Tais condições estão presentes nas leis e nas práticas administrativas.
Tome-se, por exemplo, o loteamento dos cargos públicos entre partidos políticos em troca de apoios parlamentares. No Brasil, o chefe do Executivo federal nomeia algo como 23 mil ou 24 mil pessoas. O governador de um Estado como São Paulo, Minas Gerais ou Rio de Janeiro nomeia cerca de 20 mil pessoas. Como têm esse poder, os governantes o empregam para amealhar apoios.
Mas o que, exatamente, os políticos querem com os cargos? Boa coisa não é. O resultado é a captura das estruturas públicas por interesses privados.
A solução para isso não é misteriosa nem complicada, embora possa ser laboriosa. Basta limitar drasticamente o poder de nomeação que a Constituição dá aos detentores de funções altas nas hierarquias dos três Poderes. Quem emenda a Constituição é o Congresso. Aliás, a eliminação de cargos de confiança recém-promovida pela Câmara vai na direção correta.
Poderia também o deputado Chinaglia emprestar o peso da presidência da Câmara para dissipar essa ficção, que muita gente alardeia, de que a reforma política teria como um de seus efeitos reduzir a corrupção. Uma coisa não tem nada a ver com a outra. Fazer reforma política sob tal pretexto não servirá nem ao exercício da política nem ao combate à corrupção.
Outro problema seríssimo é o excesso de autonomia de que gozam os Estados e os municípios brasileiros. Isso torna o controle dos gastos locais praticamente impossível, como demonstram a Controladoria-Geral da União e o Tribunal de Contas da União. Autonomia sem controle adequado gera corrupção, ainda mais se considerando a inutilidade dos Tribunais de Contas estaduais -outro terreno que exige intervenção legislativa urgente.
Aí nasce o problema dos sanguessugas (e não se imagine que o descontrole se limite a esse caso ou ao Ministério da Saúde). Outra dimensão óbvia da leniência que se observou no episódio é a inércia dos ministérios em controlar o dinheiro que está sob sua guarda. Trata-se de um problema administrativo claro cuja solução, porém, é evitada pelos ministérios.
A forma como os ministérios aplicam e controlam o dinheiro orçamentário que está sob sua guarda é também assunto da Câmara dos Deputados. Caberia ao seu presidente tomar medidas para que a Casa passasse a exercer a sua função constitucional de fiscalizar o Executivo, algo que, notoriamente, não faz.
Nos países civilizados, as comissões de fiscalização ficam nas mãos da oposição, que tem interesse político em vigiar o Executivo. À situação cabe vigiar a oposição para que esta não transforme a fiscalização em guerrilha política. O deputado Chinaglia poderia liderar uma mudança de rumos da Casa nessa direção.
Como conseqüência de se eximir da responsabilidade de fiscalizar o Executivo, o Parlamento brasileiro sacramenta o Orçamento sem saber o que está aprovando. Não tem noção da eficácia dos programas para os quais aprova a dotação de verbas. Seria dever da Câmara acompanhar esses programas de perto, analisar indicadores, produzir diagnósticos.
Como se vê, há muito o que o presidente da Câmara dos Deputados pode fazer para combater a corrupção.
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CLAUDIO WEBER ABRAMO, mestre em lógica e filosofia da ciência pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), é diretor-executivo da Transparência Brasil, organização dedicada ao combate à corrupção no país.